Por Nataly Santos e Leandro Lamussi. Artigo publicado no Conjur
A Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 2.121 (“IN RFB nº 2.121/2022”), publicada em 20.12.2022, unificou as normas sobre a apuração, a cobrança, a fiscalização, a arrecadação e a administração do PIS e da Cofins incidentes sobre o faturamento (regimes cumulativo e não cumulativo), bem como do PIS e da Cofins-Importação.
O novo ato normativo revogou a IN RFB nº 1.911/2019, que regulamentava o tema, e consolidou diversas normas esparsas que tratam do PIS e da Cofins. Com isto, além de promover a uniformização normativa, a nova IN facilitará a interpretação e o cumprimento das obrigações acessórias pelos contribuintes.
A IN RFB nº 2.121/2022, nos seus mais 800 artigos e 25 anexos, tratou de aspectos inéditos, não disciplinados em normas administrativas anteriores, tais como:
Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins (arts. 26, XII e 171, II):
(i.) Com relação ao cálculo das contribuições: em linha com o definido pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) nos autos do RE nº 574.706 (Repercussão Geral – Tema 69), restou estabelecido que devem ser excluídos da base de cálculo das contribuições em questão o valor do ICMS destacado no documento fiscal.
(ii.) Com relação ao cálculo dos créditos: em virtude de a referida decisão não tratar sobre a exclusão do ICMS na base de cálculo dos créditos de PIS e Cofins apurados nas aquisições realizadas pelos contribuintes, bem como no posicionamento exarado pela Procuradoria Geral da Fazenda (“PGFN”) no Parecer SEI nº 14.483/2021-ME, a IN autorizou o cômputo do valor do ICMS no cálculo dos créditos.
Se por um lado o contribuinte foi beneficiado com a inclusão do ICMS no desconto dos créditos, de outra ponta foi prejudicado com o disposto no art. 170, I. Este artigo vedou expressamente o crédito sobre o ICMS cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário.
A nosso ver, este último aspecto contraria o disposto nas Leis nº 10.637/2022 e 10.833/2003, uma vez que é que o cálculo do crédito deve ser realizado sobre o valor do item adquirido. Assim, se o valor do ICMS-ST foi cobrado pelo fornecedor e compõe o preço de aquisição, não há razões para afastar o crédito sobre esta parcela.
Apuração de créditos sobre ativo imobilizado (art. 188): de acordo com a IN, a pessoa jurídica que não adotar o mesmo critério de apuração de créditos do PIS e da Cofins para todos os bens do seu ativo imobilizado, deverá manter registros contábeis ou planilhas em separado para cada critério.
Adicional da Cofins-Importação (art. 279): a incidência do adicional de 1% da Cofins-Importação ficou estendida até 31.12.2023. Este é um tema que também foi levado pelos contribuintes ao Judiciário, uma vez que a legislação que instituiu a majoração vedou expressamente o desconto de créditos do adicional.
Infelizmente, os contribuintes não lograram êxito na discussão do tema, tendo o STF declarado que a proibição do crédito oriundo do adicional não representa ofensa ao princípio da não cumulatividade (RE nº 1.178.310, com repercussão geral). Desta forma, a extensão do adicional da Cofins continuará, pelos menos até 2023, a onerar as importações realizadas pelos contribuintes.
Penalidades relativas ao EFD-Contribuições (art. 805): se antes as penalidades estavam previstas em legislação esparsa, agora a nova norma trouxe a unificação das multas aplicáveis aos contribuintes em caso de infrações relativas aos arquivos digitais (EFD-Contribuições).
Neste contexto, as infrações estarão sujeitas as seguintes penalidades:
(i.) a apresentação dos registros e arquivos com inobservância dos requisitos legais, ficará sujeita a multa de 0,5% do valor da receita bruta da pessoa jurídica;
(ii.) para omissão ou prestação incorreta de informações, caberá multa de 5% sobre o valor da operação correspondente, limitada a 1% do valor da receita bruta da pessoa jurídica no período a que se refere a escrituração; e
(iii.) em caso de atraso na entrega, será aplicada multa equivalente a 0,02% por dia de atraso, calculada sobre a receita bruta da pessoa jurídica no período a que se refere a escrituração, limitada a 1% desta.
Equiparação da ZFM para utilização do REINTEGRA (art. 238): A Súmula nº 640, do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), definiu que as operações destinadas para a Zona Franca de Manaus (“ZFM”) são equiparadas às exportações para fins de utilização dos favores do Regime especial de reintegração de valores tributários para empresas exportadoras, o REINTEGRA. A PGFN esboçou este mesmo entendimento com a publicação da Portaria SEI nº 10.174/2022. Com base nisto, a extensão do benefício do REINTEGRA para as operações de vendas de mercadorias de origem nacional para a ZFM foi incluída expressamente na nova IN pela RFB.
Proibição do crédito referente o valor do IPI (art. 170, II): a IN determinou que o valor do IPI incidente na venda do bem pelo fornecedor não gera direito a crédito. A novidade contraria o posicionamento da própria RFB, que num passado não muito distante reconheceu que o IPI não recuperável é tido como custo e deve integrar o valor de aquisição de bens para efeito de cálculo do crédito de PIS/Cofins (vide Solução de Consulta nº 579/2017).
A exemplo da vedação imposta para a parcela do ICMS-ST, esta vedação também é questionável, na medida em que o IPI representa parte do custo de aquisição suportado pelo revendedor e, se assim funciona, deve compor a base de cálculo dos créditos.
Conceito de insumos e limitações impostas (arts. 176 e 177): outro aspecto contido na IN RFB nº 2.121 diz respeito ao conceito de insumos. Pauta na decisão proferida pelo STJ nos autos do RE n° 1.221.170/PR (Recurso Repetitivo), a RFB definiu como insumos “os bens ou serviços considerados essenciais ou relevantes para o processo de produção ou fabricação de bens destinados à venda ou de prestação de serviços”. Neste particular, foi incluída uma lista exemplificativa das despesas que podem ser consideradas ou não como insumos, conforme o entendimento da própria RFB.
Dentre os itens considerados como insumos, foram os denominados “insumos dos insumos”, assim compreendidos como os bens e serviços necessários à elaboração de insumo em qualquer etapa anterior de produção de bem destinado à venda ou na prestação de serviço a terceiros, bem como os bens ou os serviços especificamente exigidos por norma legal ou infralegal para viabilizar as atividades realizadas pelos contribuintes.
Ainda, no que se refere aos insumos, a RFB dispôs expressamente que os bens e serviços que decorrem de celebração de acordos ou convenções coletivas trabalhistas não se caracterizam como insumos.
A inclusão destes dispositivos não afastará por completo as discussões sobre o conceito e a caracterização de insumo. A referida lista se traduz em rol meramente exemplificativo, mormente porque não raro a identificação do que é insumo carece de elementos práticos e do entendimento da operação praticada pelo contribuinte.
Especificamente sobre os bens e serviços que decorrem acordos e convenções coletivas, entendemos que poderão ser considerados insumos. Qualquer pretensão em sentido contrário configuraria afronta ao artigo 611 e 611-A da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”), ao prever que as convenções coletivas possuem força de Lei, devendo, inclusive, prevalecer sobre a lei nas hipóteses previstas na legislação trabalhista. O STF, por seu turno, chancelou a equivalência das normas coletivas à lei.
Prazo prescricional para utilização dos créditos (art. 163): ficou consignado na IN que a utilização dos créditos relativos às contribuições devidas ao PIS e a Cofins prescreve em 5 anos contados do primeiro dia do mês subsequente àquele em que ocorrida a aquisição, a devolução ou o dispêndio que permite a apuração de crédito. Até então, inexistia um prazo definido para utilização dos créditos de PIS e Cofins pelos contribuintes, desde que a escrituração fosse realizada dentro do período 5 anos da sua constituição, ainda quando reconhecido extemporaneamente.
A lei permite, inclusive, que o crédito não aproveitado em determinado período seja utilizado subsequentemente, sem estipular um termo final para tanto (art. 3º, §4º, das Leis nº 10.637/2022 e 10.833/2003). Assim, entendemos que esta restrição extrapola os limites da lei e, portanto, eventuais glosas fundamentadas no art. 163 da IN poderão ser contestadas.
Como se vê, a nova IN, em alguns aspectos, se alinhou à jurisprudência das Cortes Superiores e adotou o entendimento mais favorável aos contribuintes, o que representa inegável avanço, pois reduz a litigiosidade e confere maior segurança jurídica aos contribuintes.
Por outro lado, há diversos pontos controversos na IN, os quais impõem limitações e contrariam frontalmente a legislação ordinária, estimulando a proposita de medidas judiciais pelos contribuintes e intensificando o contencioso administrativo.