Barreto | Lamussi | Nunes Advogados

Dedução dos valores pagos pela seguradora da indenização devida pelo empregador em decorrência de acidente de trabalho

Um tema muito relevante e intensamente debatido no âmbito da Justiça do Trabalho diz respeito à eventual possibilidade de dedução dos valores pagos por entidade seguradora, em razão de seguro de responsabilidade civil contratado pelo empregador, dos valores devidos por este ao empregado vitimado por acidente de trabalho.

Antes de adentrar ao cerne da questão ora proposta, é oportuno relembrar que o seguro de responsabilidade civil, contratado pelo empregador, não se confunde com a contribuição social (previdenciária) alcunhada de Seguro de Acidente do Trabalho (“SAT”). Essa contribuição previdenciária, destinada ao custeio dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho (“GIILRAT”), se destina à subscrição dos riscossociais e ordinários (1) relacionados às atividades econômicas desenvolvidas pelos estabelecimentos, cujo danose restringe ao tempo, valor e extensão da prestação previdenciária devida pelo Instituto Nacional do Seguro Social.

Dito isto e reconhecida a mera semelhança terminológica, oart. 7º, XXVIII, da CF, ao determinar que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, seguro de acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa, está a impor a contratação de apólice de seguro para cobertura de danos civis suportados pelos empregados acidentados.

Neste sentido, seria o valor pago pela seguradora dedutível do valor devido pelo empregador ao empregado acidentado? Se sim, essa dedução atingiria a totalidade da indenização devida, independentemente da natureza do dano?

O entendimento que prevalece no C. Tribunal Superior do Trabalho, refletido em precedentes da SBDI-1 e de Turmas, é no sentido de que seria possível deduzir o valor da indenização a título de seguro de vida por acidentes pessoais nas hipóteses em que o seguro é custeado exclusivamente pelo empregador, e limitado aos valores dos danos materiais:

(…) EMBARGOS INTERPOSTOS PELA RECLAMADA. COMPENSAÇÃO ENTRE O SEGURO DE VIDA E A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS PAGA AOS HERDEIROS. CONFLITO JURISPRUDENCIAL NA APRECIAÇÃO DO MESMO TEMA. As indenizações a título de seguro de vida/acidentes pessoais e as decorrentes de dolo ou culpa do empregador, em razão de acidente de trabalho, na hipótese de o empregador arcar exclusivamente com o pagamento das parcelas do seguro, são deduzíveis apenas no que se refere aos danos materiais , na medida em que a indenização por dano moral, no caso, tem por fim não apenas reparar o dano patrimonial, mas também se traduz no caráter punitivo e pedagógico da medida, que visa inibir a conduta ilícita. Quanto ao dano material, deve-se diferenciar o seguro de vida/acidentes de trabalho pago pelo empregador, do seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, previsto como direito de todos os empregados no art. 7º, XXVIII, da CF. Este último consiste atualmente em contribuição do empregador à Previdência Social, paga na forma de percentual sobre a remuneração, conforme o risco da atividade. Já aquele visa à reparação, em certa medida, do acidente ocorrido. A indenização por dano material, decorrente de dolo ou culpa do empregador em casos de acidentes de trabalho visa, igualmente, à reparação do dano ocorrido, em relação ao empregado; além de outras finalidades na órbita da relação empregador-sociedade, e o objetivo se desdobra, em especial, na reparação econômica. Assim, a forma como o empregador paga essa indenização, se diretamente ou compartilhando o risco com uma empresa seguradora, diz respeito ao poder gerencial. O certo é que, in casu, houve um acidente de trabalho e o empregador indenizou parcialmente o dano, nos moldes do art. 7º, XXVIII, in fine, da CF, não podendo tal fato ser desconsiderado pelo Poder Judiciário. Não consiste a existência de seguro em estímulo à desproteção, pois o pagamento do prêmio ao empregado não impede a Justiça do Trabalho arbitrar o valor do dano conforme a conduta específica do empregador, havendo apenas a dedução. Dessa forma, o abatimento, com a dedução do valor pago a título de seguro de vida, em razão do acidente de trabalho que vitimou o empregado, não somente evita o enriquecimento ilícito do reclamante, como se trata de estímulo para que as empresas se cerquem de garantias para proteção do empregado submetido a situação de risco no trabalho. Recurso de Embargos conhecido e parcialmente provido. (E-ED-RR – 1535-82.2012.5.09.0093 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 24/05/2018, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 29/06/2018 – destaque nosso)

Com efeito, de acordo com a interpretação do TST, a dedução dos valores pagos pela seguradora daqueles devidos pelo empregador deve ocorrer quando:

(i) Presente dano material relacionado a um acidente de trabalho;
(ii) O acidente de trabalhado for gerado por ato culposo ou doloso do empregador; e

(iii) O pagamento das parcelas do seguro for efetivado exclusivamente pelo empregador.

O pagamento da indenização sujeita à dedução não se limita àquela proveniente de decisão judicial,sendo possível o cumprimento ser realizado inclusive extrajudicialmente.

Importante expor que a limitação de dedução apenas às indenizações relacionadas ao dano material ocorre porque a quantia indenizatória recebida pelo seguro de vida privado custeado pelo empregador decorre do mesmo evento danoso (acidente de trabalho), que ensejaria o reconhecimento da indenização por dano material, razão pela qual justificaria o efetivo abatimento do valor recebido pelo seguro privado, o qual recomporia o prejuízo material sofrido, consoante a expressa dicção do art. 944 do Código Civil.

Contudo, idêntica interpretação não se aplica à indenização por dano moral, tendo em vista a natureza diversa dessa modalidade de recomposição, porque traz à tona um ressarcimento com caráter punitivo e pedagógico, inibindo, em especial, a conduta ilícita. Neste sentido, o C. Tribunal Superior do Trabalho aponta:

Acidente de Trabalho. Falecimento do empregado. Responsabilidade subjetiva do empregador. Indenização por danos morais. Compensação com o valor recebido pela família do de cujus a título de seguro de vida. Impossibilidade.
É inadmissível a compensação da indenização por danos morais arbitrada judicialmente, em razão do falecimento do empregado, com o valor recebido pela família do de cujus a título de seguro de vida contratado pela empregadora. Na hipótese vertente, diante da responsabilização subjetiva da reclamada pelo acidente de trabalho que vitimou o trabalhador, entendeu-se que o valor recebido em face do seguro contratado pela empresa não possui a mesma natureza jurídica da indenização por danos morais, porquanto esta, além da função compensatória, possui caráter punitivo e dissuasório, o que desautoriza a compensação pretendida. Com esse entendimento, a SBDI-I, por maioria, conheceu dos embargos interpostos pela reclamada, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negou-lhes provimento, mantendo incólume a decisão do Regional que indeferiu a compensação do valor referente ao seguro de vida com a indenização deferida a título de danos morais. Vencido o Ministro Ives Gandra Martins Filho. TST-E-RR-285-53.2010.5.18.0054, SBDI-I, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 13.11.2014.

(1) Art. 120. A Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis nos casos de: (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
I – negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva; (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
II – violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

(2) Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Por Alan Dantas

Compartilhar:

Post Recentes

plugins premium WordPress