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Ação regressiva previdenciária

A previdência, social ou privada, é espécie do gênero seguro (1). A técnica social de proteção objetiva a prevenção de riscos e contingências sociais, atuando coordenadamente com outros elementos do repertório do sistema de Seguridade Social –como a saúde e a assistência –, na efetivação da proteção social plena. Seu objeto de ação é o trabalho, entendido paralelamente ao capital como instrumento de produção.

A previdência protege o segurado dos efeitos da invalidez. Esse fato jurídico, compreendido como sinistro, gera obra previdenciária, substituindo o produto do trabalho sobrestado (remuneração) por prestação pecuniária substitutiva ou indenização.

A previdência age como seguro contra a invalidez concreta ou presumida, atribuindo a esse fato social a qualidade de sinistro. A lógica securitária pressupõe a incerteza do evento assegurado, impedindo, paralelamente, a pré-existência do sinistro contratado. Logo, exige-se do beneficiário hipotético da previdência social (segurado) que, quando da aquisição da qualidade jurídica de filiado seja detentor de capacidade laboral, ainda que não a exerça (filiação facultativa).

O artigo 786, caput, do Código Civil, ao tratar do “seguro de dano”, enuncia que “paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”. Nesse sentido, a instituição seguradora, após indenizar o segurado, tem direito de regressar contra o causador do dano, pleiteando o ressarcimento da indenização.

Na seara da Previdência Social, que, reitera-se, é um seguro social obrigatório–ou o seguro social é obrigatório, ou não é social (2), posto que “los seguros socialesson seguros obligatorios, de origem legal, gestionados por entes públicos y dirigidos especificamente a proteger necessidades generales derivadas de riesgos que afectan indivíduos determinados legalmente” –, o artigo 120 da Lei n. 8.213/91 confere direito subjetivo de regresso ao INSS contra os responsáveis nos casos de i) negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual ou coletiva; ou ii) violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme enunciado:

Art. 120. A Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis nos casos de: (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
I – negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva; (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
II – violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
Não obstante a estrutura sintática adotada pelo legislador na construção do enunciado do artigo 120 da Lei n. 8.213/91, é possível identificar uma perfeita estrutura normativa, que confere direito subjetivo de regresso à Previdência Social (consequente) ante a verificação da negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual ou coletiva, ou ainda, na hipótese de violência familiar e doméstica contra a mulher (3).

O direito subjetivo de regresso, portanto, somente será conferido à Previdência Social quando restar comprovado que a concessão do benefício regressado decorreu da negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho e que a causa da concessão do benefício foi a negligência verificada, isto é, que há nexo de causalidade entre o prejuízo e a conduta culposa da empresa, como bem adverte Theodoro Júnior:

“No campo da ação da responsabilidade, apresentam-se, como fatos constitutivos do direito do autor: o dano, a conduta culposa do agente e o nexo de causalidade. Incumbirá, pois, ao acidentado, o encargo processual da prova, não só de seu prejuízo, mas principalmente do fato de que esse prejuízo teve como causa o dolo ou a culpa do empregador, de seu preposto, ou de terceiro. Uma vez que esses elementos não se presumem, a falta de sua prova, ou seja, de qualquer um deles, acarretará a sucumbência do autor.” (4)

A ação de regresso tem lugar, portanto, quando verificado o agravamento culposo, pelo empregador, em relação ao risco a que o empregado poderia ser exposto, na medida em que sempre haverá uma margem de risco inerente à atividade econômica desenvolvida e que somente pode ser mitigada pela diligência e cautela de cada empregado.

Nesse sentido, cumpre à Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (“SIT”), órgão vinculado ao Ministério da Economia, por meio de seus Auditores-Fiscais do Trabalho (“AFT”), assegurar, em todo o território nacional, o cumprimento de disposições legais e regulamentares relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, coordenando, supervisionando, orientando, controlando e avaliando as atividades de fiscalização do trabalho, inclusive do trabalho portuário, marítimo e aquaviário, visando à melhoria das condições de trabalho e à redução do número de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.

Constatada qualquer irregularidade quanto ao cumprimento das normas regulamentares de saúde, segurança e higiene do trabalho, deverá o AFT lavrar o respectivo Auto de Infração, bem como investigar e analisar as causas dos acidentes do trabalho ocorridos, além das situações com risco potencial para gerar tais eventos.

Invariavelmente as ações de regresso são instruídas com as provas materiais colhidas no âmbito da investigação pelo AFT e por minucioso relatório de Análise do Acidente, os quais indicam o eventual descumprimento de normas regulamentadoras do trabalho, as causas, os fatores e as circunstâncias do acidente do trabalho, as medidas que deveriam ter sido adotadas para a redução dos riscos, a relação de causalidade entre as normas regulamentares descumpridas e o dano objeto do regresso.

No Brasil, a Análise de Acidentes do Trabalho se sustenta a partir das seguintes bases:

– Compreensão da empresa como sistema sociotécnico aberto em que são realizadas atividades que evoluem no tempo e possuem variabilidade normal e incidental;

– Ênfase em diferenças entre trabalho prescrito e trabalho real e a importância de considerar os dois na análise da atividade;

– Concepção de acidente como evento que resulta de rede de múltiplos fatores de interação e que é desencadeado quando as mudanças ocorridas no sistema ultrapassam suas capacidades de controle;

– Crítica às práticas de atribuição de culpa às vítimas de acidentes

A ausência de prova quanto à negligência do empregador impede o nascimento do direito subjetivo ao regresso, sobretudo porque o risco ordinário de acidentes do trabalho – há precedentes no sentido da inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei n. 8.213/91, caracterizando-o como bis in idem inclusive na hipótese de culpa do empregador – é custeado por meio de contribuições sociais (previdenciárias) incidentes sobre a folha de pagamentos, conforme previsão do artigo 7º, inciso XXXVIII, da CF e, no plano legal, pelo artigo 22, inciso II, da Lei n. 8.212/91.

Com efeito, a ação regressiva pressupõe a realização de rigorosa Análise do Acidente do Trabalho, por meio da qual seja promovida a investigação de eventuais irregularidades e infrações às Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho, infrações à legislação trabalhista, realizada a entrevista com colaboradores e o relato das medidas de prevenção que poderia ter evitado o evento indesejado, bem como as medidas de proteção que poderiam ter reduzido as suas consequências.

Deste modo, o exercício do direito ao regresso deve ser cuidadoso e responsável. A propositura indiscriminada de ações regressivas, desprovida de um conjunto probatório robusto capaz de demonstrar a conduta culposa do empregador, colabora para o desvirtuamento da finalidade desse instrumento, acarreta graves prejuízos financeiros e de imagem aos empregadores, intensifica a sucumbência contra a União Federal e, por fim, cria uma cultura jurisprudencial negativa em torno do instituto.

Por Leandro Lamussi.

(1) BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 3ª Ed. São Paulo: LTr. 2007.
(2) ALMANSA PASTOR, José Manuel. Derecho de laseguridad social.
(3) Considerando que o objeto do presente estudo se restringe ao direito de regresso contra o empregador, isto é, à hipótese do inciso I do artigo 120 da Lei n. 8.212, não nos ocuparemos do regresso em decorrência de violência familiar e doméstica contra a mulher.
(4) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Acidentes do Trabalho e Responsabilidade Civil Comum. São Paulo: Saraiva. 1987, p. 62.

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