Barreto | Lamussi | Nunes Advogados

Impactos da decisão do STF nas Ações Civis Públicas da Justiça do Trabalho

O Supremo Tribunal Federal (“STF”) formou maioria no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.101.937/SP (Tema 1.075 da Repercussão Geral), e, assim, deverá declarar a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei n. 7.347/85, com redação dada pela Lei n. 9.494/97, segundo o qual a sentença na ação civil pública fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator.

O Relator foi acompanhado pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, Edson Fachin e pelas Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, resultando em 6 (seis) votos pelo desprovimento dos Recursos Extraordináriose, dessa forma,sufragando o resultado no sentido da declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo legal.

O Ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos, mas independentemente de seu voto e dos votos dos Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux – os Ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso declararam-se impedidos –, o resultado no sentido da inconstitucionalidade, na prática, está proclamado.

O caso, na origem, trata de Ação Revisional Contratual proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (“IDED”) em face de diversas instituições financeiras buscando a revisão de contratos de financiamento habitacional celebrados por seus associados.

OSuperior Tribunal de Justiça (“STJ”) afastou a limitação territorial prevista no artigo 16 da Lei n. 7.347/85, sendo que o Itaú Unibanco S/A e a Caixa Econômica Federal recorreram da decisão, submetendo o caso ao STF.

Como o reconhecimento da repercussão geral do tema, todas as ACPs em trâmite no território nacional deverão permanecer suspensas até que o caso seja julgado pelo STF.

Quanto ao mérito da decisão a ser proferida pelo STF, não há dúvida de que gerará grande celeuma: a Advocacia Geral da União, por meio da Procuradoria-Geral Federal que representa o Instituto Nacional do Seguro Social (“INSS”), se manifestou nos autos do referido RE afirmando que “há ações civis públicas que necessitam ser locais, pois o problema apontado na petição inicial é igualmente local”.

Se para o INSS, que conta com aproximadamente 1.110 Agências da Previdência Social no território nacional, seria absolutamente complexo dar cumprimento a decisões proferidas em ACPs decorrentes de direitos difusos e coletivos identificados localmente, para diversos empregadores atuantes no território nacional – há muitas empresas com mais de 3.000 estabelecimentos filiais – seria impossível cumprir, em todo território nacional, obrigações impostas por ACPs originadas em fatos jurídicos ocorridos localmente.

O cabimento das ACPs na Justiça do Trabalho está previsto no artigo 83, inciso III, da Lei Complementar n. 75/93, e objetiva a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos.
Compete aos Auditores-Fiscais do Trabalho verificarem o cumprimento dos direitos difusos e coletivos assegurados na Constituição Federal, como aqueles relacionados à segurança e à saúde no trabalho, os registros em CTPS, o recolhimento do FGTS, a averiguação e análise das situações com risco potencial de gerar doenças ocupacionais e acidentes do trabalho, realização de auditorias e perícias, emissão de laudos, entre outros.

Identificado qualquer descumprimento, o Auditor-Fiscal do Trabalho procede a lavratura de Autos de Infração, os quais, invariavelmente, instruem as ACPs propostas pelo Ministério Público do Trabalho.

Pois bem: se o Auditor-Fiscal do Trabalho identificar, por exemplo, que um estabelecimento localizado no sul do país descumpre uma norma regulamentar de segurança do trabalho, essa violação poderia gerar a presunção absoluta, em qualquer caso, de que os demais estabelecimentos do país igualmente a descumprem?

Parece-nos que atribuir efeito erga omnes às decisões proferidas nas ACPs poderia caracterizar não apenas uma ilegal presunção de dano, mas também a supressão das garantias constitucionais e legais do contraditório perfeito, da ampla defesa e do devido processo legal, consistente na imposição de obrigação pecuniária a estabelecimentos que nunca foram fiscalizados, autuados e, consequentemente, que não tiveram a oportunidade de se adequar eventual descumprimento à legislação, atribuindo-se o mesmo tratamento a realidades distintas.

Não soa razoável, por exemplo, que uma denúncia de assédio moral aferida localmente pelo Auditor-Fiscal do Trabalho, em determinado estabelecimento, possa gerar a presunção segundo a qual essa conduta ocorre em todos os demais milhares de estabelecimentos que um empregador possa manter no país.

Afora isso, a abrangência nacional da coisa julgada poderá estimular uma verdadeira competição política entre os Auditores-Fiscais do Trabalho, bem como entre os Procuradores Federais do Trabalho, na medida em que a legislação não define com clareza o destino dos recursos

A decisão a ser proferida pelo STF, com o devido respeito, nos parece tomada de afogadilho, demasiado simplista e incapaz de solucionar adequadamente a controvérsia, que, reconhecemos, é complexa, envolve direitos difusos e coletivos de envergadura constitucionale índole social,exigindo, pois, profunda reflexão quanto aos seus impactos na sociedade, nas relações de trabalho, no desenvolvimento das atividades econômicas e na função social do instituto das ACPs, sob pena de se tornar apenas um mecanismo predatório de arrecadação, punindo-se mais e pior.

Leandro Lamussi, sócio do Barreto, Lamussi, Nunes Advogados

Compartilhar:

Post Recentes

plugins premium WordPress