Mauro Simões, advogado do Barreto, Lamussi, Nunes Advogados. Pós-graduado em direito tributário/previdenciário.
O instituto da “denúncia espontânea”, que encontra respaldo no artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN), se traduz na dispensa da multa de mora quando, previamente a qualquer procedimento administrativo ou medida fiscalizatória, o contribuinte realiza, de forma totalmente voluntária, a quitação – acrescida de juros – relativa a tributo devido e que não era de conhecimento do Fisco:
“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.”
Isto é, caso o contribuinte efetue o pagamento o tributo devido e os juros de mora, antes de qualquer procedimento de fiscalização, sua responsabilidade pela infração será excluída, repelindo-se a exigência de multa pela mora.
Entretanto, um relevante debate se inicia com relação à aplicação do referido benefício quando a quitação voluntária do tributo vencido ocorre por meio de outra modalidade de extinção do crédito tributário: a compensação tributária.
Isso porque, como se nota, o supracitado dispositivo legal utiliza-se do termo “pagamento”, fundamentando a argumentação do Fisco no sentido de que o conceito de “compensação” se difere ao de “pagamento” e, portanto, quando a quitação do tributo em denúncia espontânea ocorre por compensação, não há extinção da multa.
Já o contribuinte, por sua vez, sustenta a ideia de que tais espécies de extinção do crédito tributário são equivalentes, resultando em um mesmo produto (quitação), razão pela qual, a aplicação do benefício da denúncia espontânea se mostra plenamente apropriada.
Mais a fundo, pode-se dizer que a argumentação do contribuinte – aqui abarcada – reside na noção de que o legislador tributário não buscava tornar taxativa a aplicação da denúncia espontânea; pelo contrário, a teleologia do dispositivo se operaria na intenção do legislador em beneficiar o contribuinte que adimple obrigações vencidas independentemente de qualquer medida do Fisco.
Neste sentido, por óbvio, tal debate foi transportado aos montes às instâncias julgadoras, em âmbito administrativo, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), bem como no âmbito judicial, mais precisamente no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em ambas as esferas é possível notarmos entendimentos favoráveis e desfavoráveis para os dois lados.
A título de exemplo, podemos citar os acórdãos proferidos pelo STJ no EREsp 1.657.437/RS e REsp 1.461.757/RE, de maneira favorável ao Fisco. Já os acórdãos proferidos pelo mesmo órgão, no REsp 1.122.131/SC e AgRg em REsp 1.136.372/RS, se apresentam favoráveis ao contribuinte.
O mesmo ocorre nasTurmas do Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do CARF.Há entendimentos pretéritos que negam a aplicação da denúncia espontânea em casos de compensação, a exemplo dos Acórdãos n. 9101-002.969 e 9303-006.011. Contudo, é possível notar atualmente um novo movimento jurisprudencial naquele órgão, que tem se posicionado em sentido favorável ao contribuinte, fato que se verifica dos julgados mais recentes, vide Acórdãos n.9101-003.559 e 9303-011.117– este último, de março de 2021.
Existem estudos específicos acerca da jurisprudência relativa ao tema, sobretudo do CARF, cujas decisões das Turmas da Câmara Superior divergem de maneira abissal em cenários extremamente semelhantes.
Com efeito, a posição atual (pró-contribuinte), que tem prevalecido ultimamente, leva em consideração o fato deque a distinção semântica entre as expressões “pagamento” e “compensação” ocorre apenas em parte específica do Código Tributário Nacional, ao passo que em seu restante, o termo “pagamento” é utilizado como sinônimo de “adimplemento”, o que se verifica em diversos dispositivos.
Como exemplo, vale destacar o artigo 165:
“Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”
(Grifou-se).
O que se observa do dispositivo transcrito é o fato de que o legislador previu a concessão ao direito de restituição, nos casos dispostos nos incisos I a III, “seja qual for a modalidade do seu pagamento”. Ou seja, a expressão “pagamento” aqui não diz respeito à modalidade específica de extinção do crédito tributário, mas ao “adimplemento/quitação”, como um todo.
Neste sentido, é possível concluir que tais fundamentos encontram guarida na citada motivação de o legislador beneficiar as duas partes da relação tributária: de um lado, o Fisco na qualidade de sujeito ativo, que obtém informações valiosas e o adimplemento fiscal que possivelmente não teria conhecimento não fosse a boa intenção do tributado; e o contribuinte, que por sua vez, enquanto sujeito passivo, se mantém dentro de suas obrigações fiscais, evitando sanções e penalidades futuras.
Portanto, embora estejamos diante de um tema que demande profunda discussão em razão de seu alto grau de complexidade, a expectativa é que a matéria seja definitivamente pacificada o quanto antes – preferencialmente de acordo com o entendimento atual– em prol do crucial princípio da segurança jurídica, indispensável à administração tributária.
Por fim, cumpre frisar que não se cuida apenas do afastamento indiscriminado de multas e sanções potencialmente exigíveis pelo Fisco, mas de interesses que além de contribuírem com a saúde financeira das empresas, incentivam a autorregularização por parte do contribuinte, o que também poderá oferecer reflexos positivos à arrecadação e, consequentemente, à economia do país.