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Tarifação do dano extrapatrimonial na relação de trabalho

Alan Dantas, sócio do Barreto, Lamussi, Nunes Advogados

A Constituição Federal estabelece explicitamente a proteção dos direitos de personalidade (art. 5º, inciso X), segundo o qual são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O conjunto de vertentes extrapatrimoniais tutelados pelo Direito do Trabalho foi singularizado com a entrada em vigor da Lei n. 13.467/2017, que em seu art. 223-C estabelece, como bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física.

Ademais, a Lei 13.467/2017 consagrou que a análise das dimensões subjetivas e das particularidades objetivas, consequenciais e circunstanciais do ato ilícito se pauta nos seguintes parâmetros, extraídos do artigo 223-G da referida Lei:

i. a natureza do bem jurídico tutelado;

ii. a intensidade do sofrimento ou da humilhação;

iii. a possibilidade de superação física ou psicológica;

iv. os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;

v. a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;

vi. as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;

vii. o grau de dolo ou culpa;

viii. a ocorrência de retratação espontânea;

ix. o esforço efetivo para minimizar a ofensa;

x. o perdão, tácito ou expresso;

xi. a situação social e econômica das partes envolvidas; e

xii. o grau de publicidade da ofensa.

A aplicação deste importante rol permite a classificação da lesão consoante sua gravidade, se leve, média, grave ou gravíssima, sendo que essa gradação da ilicitude justifica a aplicação de faixas indenizatórias, com seus respectivos tetos de valores, conforme enunciado no art. 223-G, § 1º, da CLT:

“§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.”

As balizas de mensuração do valor do dano extrapatrimonial serão objeto de relevante julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 6.050, que apreciará a constitucionalidade da tarifação da indenização do dano moral nas relações de trabalho, conforme definido no art. 223-G, § 1º, incisos I a IV, da CLT, vigente desde 11 de novembro de 2017.

A ADI, proposta pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, questiona a constitucionalidade de impor uma limitação ao Poder Judiciário, por meio de tabelamento, para definição do montante indenizatório relacionado ao dano extrapatrimonial nas relações trabalho.

O julgamento da ADI, inicialmente pautado para 04.06.2020, fora redesignado para 30.06.2021, mas restou excluído do calendário de julgamento em 24.06.2021, pelo Presidente da Corte, e há, por ora, nova data prevista para julgamento.

A entidade suscita, na referida Ação Direta, a afronta ao princípio da isonomia, na medida em que o dispositivo impugnado deixou de fixar percentual sobre uma mesma base de cálculo (valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social) e voltado a utilizar como referência ou base de cálculo o valor do salário do empregado, o que levará a fixação de valores de indenização por dano moral discrepantes entre os empregados.

Alega a ANAMATRA, ademais, que a norma impugnada restringe a atuação do Poder Judiciário nos casos de dano moral decorrente de relação de trabalho, ao impedir que os órgãos judicantes de proferiram decisões que venham a deferir indenização de valor superior ao fixado na lei impugnada, está impondo uma restrição indevida no ofício judicante.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, a Procuradoria Geral da República pugnou pelo conhecimento e pela procedência da ADI, com a consequente declaração de inconstitucionalidade do art. 223-G, §1º, I, II, III e IV da CLT e dos parágrafos 2º e 3º do art. 223-G e dos arts. 223-A e 223-C da CLT inseridos pela Lei 13.467/2017.

Como destacado na petição inicial da ação de controle concentrado e no parecer da PGR, a jurisprudência do STF teria enfrentado questão semelhante quando do exame da constitucionalidade de dispositivo da Lei 5.260/67(Lei de Imprensa) – ADPF130, que apresentava, igualmente, um tabelamento para indenizações por danos extrapatrimoniais – concluindo pela impossibilidade de a indenização se sujeitar aos limites estreitos da Lei de Imprensa. Não bastasse isso, o STJ, por meio da Súmula 281, pacificou o entendimento segundo o qual “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.

De acordo com o Relatório da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei 6.787/2016, que resultou na edição da Lei n. 13.467/2017, os seguintes fundamentos justificariam a escalonamento objetivo das indenizações:

“como há um vácuo nas leis do trabalho quanto ao tratamento da matéria, os pedidos são formulados com base na legislação civil, a qual também não oferece critérios objetivos para lidar com o tema. A ausência de critérios objetivos e o alto nível de discricionariedade conferidos ao magistrado na fixação judicial dessas indenizações trazem insegurança jurídica, lesando a isonomia de tratamento que deve ser dada a todos os cidadãos. Não é raro que se fixem indenizações díspares para lesões similares em vítimas diferentes. Do mesmo modo, são comuns indenizações que desconsideram a capacidade econômica do ofensor, seja ele o empregado ou o empregador, situação que se mostra agravada no caso dos empregadores, porquanto ações de prepostos podem gerar valores que dificultem, ou mesmo inviabilizem, a continuidade do empreendimento”(BRASIL, 2018, p.46).

Ou seja, segundo o parecer, a inclusão legislativa mostrou-se importante para: (i) preencher um vácuo normativo no sistema jurídico brasileiro, acerca de critérios objetivos para lidar com o dano extrapatrimonial, resguardando desta forma, uma maior segurança jurídica; (ii) a isonomia de tratamento entre os ofendidos; e (iii) preservar a continuidade do empreendimento muitas vezes impedida pelo descompasso com a capacidade econômica do ofensor.

Questões válidas e de importante discussão, mas em nítido confronto com os fundamentos apresentados pela ADI, que serão sopesados no julgamento e que deverão ser interpretados em consonância com a Constituição Federal e seus primados princípios.

Uma das correntes de pensamento possível conduziria à conclusão de que os parâmetros tarifários estabelecidos no art. 223-G, § 1º, da CLT, são apenas parâmetros indicativos, úteis para a fixação do valor por meio da aplicação de método bifásico, que consiste no seguinte:

– Fase 1 – abstrata ou objetiva: estipula-se um valor básico para a indenização com origem em precedentes de casos semelhantes ao interesse jurídico lesado;

– Fase 2 – concreta ou subjetiva: analisa-se as circunstâncias do caso para fixação do valor definitivo.

Essa metodologia, aplicada pelo STJ, não vincularia julgador aos valores enunciados no art. 223-G, § 1º, da CLT, mas o utilizaria como norte para a aplicação da Fase 1 e, sucessivamente, se analisaria elementos concretos ou subjetivos da hipótese (Fase 2),resultando num arbitramento razoável da indenização por dano extrapatrimonial.

Essa solução poderia representar uma justa medida, evitando a declaração de inconstitucionalidade da norma impugnada sem ferir, contudo, os princípios constitucionais.

Independentemente da decisão a ser proferida pelo STF, a análise do questionável art. 223-G, § 1º, incisos I a IV da CLT deverá gerar intenso debate, sobretudo diante dos inúmeros valores constitucionais envolvidos, como a razoabilidade, a proporcionalidade, o caráter pedagógico da sanção, a capacidade econômica das partes, a isonomia e a segurança jurídica.

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